Juiz de Fora / MG - sexta-feira, 29 de março de 2024

HOMEOPATIA NO BRASIL

A HOMEOPATIA NO BRASIL

 

 

As primeiras referências à Homeopatia no Brasil datam do começo do século XIX e eram jocosas. Em 1811, um professor da Escola de Medicina e Cirurgia da Bahia disseminou entre seus alunos considerações maliciosas e infundadas sobre a nascente terapêutica surgida na Alemanha, desestimulando-os a obter qualquer contato com o conhecimento homeopático.
Vinte cinco anos depois surgiram os primeiros registros oficiais - e igualmente deturpados. A Academia Imperial de Medicina publicou nesta data artigos que falseavam as colocações de Hahnemann no Organon da Arte de Curar. Curiosamente, esta detração oficial, escrita por um médico que não exerceu a Homeopatia, foi a base do aprendizado do Dr. Domingos de Azeredo Coutinho de Duque-Estrada, o primeiro médico homeopata do Brasil.
A nova medicina criada por Hahnemann foi conhecida antes, em 1810 pelo Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva. Grande naturalista e cultor da arte da mineralogia, o tutor de D. Pedro II trocou correspondências com o criador da Homeopatia, tido como um dos grandes químicos da época.

Dr. Bento Mure - um francês no Império
Mas foi um francês quem divulgou e difundiu efetivamente a Homeopatia no Brasil. Benoit Jules Mure, conhecido como Bento Mure, aportou no Rio de Janeiro, na barca francesa Eole em 1840. Junto a ele, mais 100 famílias, que partilhavam o sonho de implantar uma colônia societária, que fazia parte de um plano "phalanstero" de formar a base de uma comunidade industrial de máquinas a vapor. Em sua curta estada na capital do Império o Dr. Mure clinicou e divulgou a homeopatia por meio de "curas milagrosas". Neste período, um médico brasileiro, o Dr. Souto Amaral, conheceu e abraçou a homeopatia por meio dos ensinamentos do pioneiro francês.
Após receber licença do Governo Imperial e escolher o local de implantação de sua colônia, Mure partiu com as 100 famílias francesas para a península do Sahy, na divisa do Paraná com Santa Catarina. Ele aportou lá em 21 de novembro, data posteriormente escolhida como o Dia Nacional da Homeopatia. Mas a proposta da implantação da colônia não surtiu os resultados almejados e Mure partiu de volta ao Rio de Janeiro. Contudo sua semente estava plantada nas terras catarinenses. Durante sua estada no sul do país, Mure converteu o médico militar Dr. Thomaz da Silveira e instalou a Escola Suplementar de Medicina, com o intuito de preparar médicos já diplomados na arte homeopática. E, legou organizado o Instituto Homeopático do Sahy.
De volta ao Rio, o destino colocou-o frente ao Dr. João Vicente Martins, diplomado em Lisboa, que travara contato com a homeopatia pelas mãos do Dr. Thomaz, que conhecera no naufrágio do navio Corveta, na costa peruana. João Vicente veio a se interessar pela Homeopatia mais tarde e acabou tornando-se seu grande propagandista no Brasil.
O nome e a conduta de Mure renderam-lhe polêmicas e desafetos. Centrado em objetivos humanitários e científicos, ele resistiu às maledicências e à tuberculose. Em 1843, tendo como parceiro Vicente Martins, criou o Instituto Homeopático do Brasil, instalado a princípio em sua residência, onde também funcionavam consultórios médicos destinados à propagação da nova ciência, ao atendimento de pacientes e à preparação de medicamentos homeopáticos.
Nesta época, a homeopatia passou a ser largamente discutida na imprensa nacional, principalmente no Jornal do Comércio. Por um lado, sua imagem era distorcida e denegrida por professores e grandes doutores da medicina na Bahia e no Rio de Janeiro. Por outro, o próprio editor do jornal, Dr. José da Gama e Castro, abria espaço permanente para as polêmicas de João Vicente Martins e dos homeopatas da época.
A fundação da primeira escola brasileira
No dia 12 de janeiro de 1845, funda-se a Escola Homeopática do Brasil, que funcionava com autorização do Governo Imperial, ainda que a seus diplomados fosse vetado o exercício da clínica. A exemplo da história de Hahnemann na Alemanha, o tempo trouxe cisões e disputas internas e alguns anos após a criação da primeira escola de formação homeopática do Brasil a ruptura foi inevitável. Criaram-se duas instituições: o Instituto Hanemanniano do Brasil e a Congregação Médico-Homeopática Fluminense. Enfraquecidas, ambas sucumbiram.
Doente e aniquilado, o Dr. Mure partiu de volta à França após ser acusado de envenenar uma menina doente com duas doses de Ignatia amara 5CH e uma dose de Argentum nitricum 5CH. Mas a Ciência Homeopática seguiu conquistando espaço junto à sociedade e aos médicos da época, com a ajuda do citado Jornal do Comércio, que publicava grandes curas e feitos homeopáticos. A astúcia do Dr. João Vicente Martins e as polêmicas por ele levantadas em artigos atravessaram fronteiras regionais, subindo Nordeste e descendo Sul, onde inclusive foi criada na cidade de Porto Alegre, em 1914 a Faculdade de Medicina Homeopática.

A reconstrução do Instituto Brasileiro
O antigo Instituto Homeopático do Brasil foi reconstruído em 1878 e recebeu o nome de Instituto Hahnemanniano Fluminense. Seu primeiro presidente foi o primeiro médico homeopata do Brasil, nosso conhecido Dr. Duque-Estrada. Dois anos depois, por decreto do Imperador, passou a se chamar Instituto Hahnemanniano do Brasil (IHB). O Instituto criou Hospital Homeopático e a Faculdade Hahnemanniana, com ensino integral de medicina. Décadas mais tarde, mais precisamente em 1918, o IHB foi autorizado a diplomar médicos e farmacêuticos homeopatas. Em 1921, o Conselho Superior de Ensino exigiu a mudança do nome Faculdade Hahnemanniana para Escola de medicina e Cirurgia do Instituto Hahnemanniano. Um duro golpe aconteceu em 1932, quando o Conselho de Educação determinou que o ensino homeopático fosse facultativo. Ao golpe sobreveio o enfraquecimento da Escola Universitária que na época contava com 1.000 alunos. Hoje ela faz parte da UNIRIO.
Uma nova era no mundo - e na homeopatia
O fim da II Grande Guerra marcou mudanças na industria, na cultura, e nas relações de trabalho. A homeopatia não ficou imune às transformações, que se configurariam cada vez mais aceleradas. Nesta época, as fundações ligadas às grandes corporações passaram a direcionar os rumos da geração de conhecimentos e do emprego destes no desenvolvimento pois controlavam o poder econômico. Tudo para satisfazer aos interesses do mercado. A partir daí, a evolução sócio-político-cultural passa a ser direcionada pela crescente industrialização. Em contrapartida, o espaço para o desenvolvimento de ciências como a homeopatia se restringe muito. O período áureo torna-se decadência, primeiro nos EUA e posteriormente no Brasil.
Afastada das Universidades, a ciência homeopática sofre duro revés. Nos meados da década de 70, o Brasil vivia sob a cruel censura militar. Um clima sombrio paira no ar do país e na homeopatia também. Em 1975, o professor Antar Padilha Gonçalves propõe a exclusão da homeopatia como disciplina optativa do currículo médico e sua inclusão no curso de pós-graduação da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. A proposta absurda foi aprovada, atropelando a lúcida e emocionada defesa do Dr. Camil Kouri. Estava decretado o afastamento dos estudantes de medicina daquela faculdade da arte de Hahnemann.
A década de repressão política e do recrudescimento de relações também foi a década da conscientização sobre questões relacionadas aos ecossistemas e à valorização do ser. Estes questionamentos estenderam-se para além dos homens de ciência, dos pensadores e dos artistas, atingindo em cheio a população mundial com uma urgência poucas vezes vista. Como a toda ação corresponde uma reação, um movimento holístico tomou o meio médico. Este, por sua vez, começou a buscar formas de entendimento do processo de adoecimento que fossem distantes da compartimentalização apresentada pela visão especialista do médico. A homeopatia no Brasil começava a receber novo impulso.
São Paulo passa a ser o centro de difusão dos novos núcleos. A partir da capital paulista, a homeopatia começa a ganhar a nação. Nas discussões encabeçadas por São Paulo e Rio de janeiro surge a Associação Médica Homeopática Brasileira, fundada em 24 de novembro de 1979. Esta é a atual representante de todos médicos homeopáticos do país.
No ano seguinte, a homeopatia brasileira marca o novo e talvez mais importante tento: o reconhecimento pelo Conselho Federal de Medicina da Homeopatia como Especialidade Médica. Um dos líderes do movimento que resultou nesta conquista foi o Dr. Alberto Soares Meireles. Em 1990, a AMHB passa a ser reconhecida oficialmente pela Associação Médica Brasileira e entra para o Conselho de Especialidades Médicas desta instituição. A partir deste ano, intensificou-se em todo país o incremento do espírito associativo dos médicos homeopatas, o estímulo ao trabalho científico e a busca de soluções para o ensino médico da homeopatia.

(por Mário Antônio Cabral Ribeiro)